As raízes e o outro lado da Revolução de 1932
João Fina Sobrinho e o tenente Siqueira Campos são símbolos da geração de jovens que no período revolucionário de 1922 a 1932 lutaram contra a corrupção da política nacional.
Siqueira Campos morreu em 1930 sem ver nas décadas seguintes as mudanças sociais resultantes das lutas de que participou. Fina Sobrinho viveu até 1991 e chegou a testemunhar as conquistas democráticas pelas quais combateu.
Trajetória
Conterrâneos e contemporâneos, ambos deixaram Rio Claro quando eram jovens. João Fina, para cursar Direito. Siqueira Campos para seguir carreira militar no Rio de Janeiro. O espírito libertário os manteve unidos e os levaria a lutar lado a lado.
Julho de 1924
A capital de São Paulo amanheceu em alerta máximo no dia o 5 de julho de 1924. Era a revolução.
Guarnições do Exército e da Polícia Militar (Força Pública) declaram-se revolucionárias e em meio a intensos combates tomam a cidade. O governador foge. Os rebeldes querem impedir a posse do presidente Artur Bernardes eleito sob acusação de fraude e passar o país a limpo.
Apesar de o movimento paulista contar com adesões civis, o levante é exclusivamente militar, mesmo tendo uma pauta política. Os comandantes se recusam a fornecer armas a sindicalistas e operários que pretendem caracterizar o movimento como luta de classes, de patrões contra empregados, de pobres contra ricos.
As forças do governo deixam o centro da cidade para formar um cerco. A capital dominada pelos rebeldes passa a ser bombardeada por ar e terra. Pela primeira vez são utilizados aviões como instrumento de guerra no país. Para poupar civis do bombardeio cada vez mais intenso, os revoltos retiram-se para o interior do estado. Eles optam por manter a luta em movimento e conseguir a adesão de outros rebeldes pelo interior do país.
Rio Claro
Ao passar por Rio Claro em direção a Bauru, para dali seguir ao Paraná, o comboio de revolucionários ganha a adesão de um civil. O jornalista e advogado da Central Elétrica João Fina une-se à tropa. Ele deixa a vida pacata na cidade para entrar em combate.
A resistência de João Fina contra governos corruptos vinha das melhores influências da época. Ele era discípulo de Rui Barbosa. O advogado baiano era crítico da falência moral vivida pelo país. Fina frequentava a casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro e o tinha como orientador da linha editorial de seu trabalho como jornalista em Rio Claro nas edições de O Fígaro e, depois, de O Rio-Clarense.
Reencontro
A coluna de guerrilheiros logo passa a contar com a participação de outro rio-clarense, o tenente Siqueira Campos. Ele chega para engrossar as fileiras rebeldes vindo da Argentina onde estava exilado desde o frustrado levante do Forte de Copacabana dois anos antes, em 1922.
A Coluna
No Paraná as forças paulistas se unem à coluna de militares rebelados vindos do Rio Grande do Sul sob o comando de Luis Carlos Prestes. As forças unidas seguem pelo interior do Brasil para divulgar e disseminar a revolução pretendida. Dava-se a origem da chamada Coluna Prestes.
Sem nunca haver sido derrotada nos combates com as forças do governo ao longo de sua atuação, a Coluna se dissolve 1927 e exila-se nos países vizinhos. João Fina também segue para o exílio. Depois de dois anos na Argentina volta ilegalmente para o Brasil. É preso em São Paulo. Na prisão defende com sucesso os revolucionários presos. Libertos, ele e os rebeldes rearticulam-se na revolução que leva Getúlio Vargas e militares ao poder em 1930.
Avanços
Ao longo da travessia de tempos conturbados por revoluções, ditadura e redemocratização, os brasileiros empreenderam conquistas como a divisão mais equilibrada dos poderes republicanos; respeito à Constituição; políticas de função social; direitos humanos; voto secreto; o voto feminino; justiça eleitoral; legislação trabalhista e liberdade de imprensa, entre outros. Nada disso havia na época dos jovens revolucionários dos anos 1920.
1932
Os conflitos não terminaram com a tomada do poder pelos revolucionários de 1930. Isto porque em 1932 as forças paulistas depostas dois anos antes pegaram em armas para destituir Getúlio e promulgar uma nova Constituição. A reação de São Paulo reuniu democratas civis e militares a fazendeiros do café contrários à regulamentação trabalhista em curso. Getúlio venceu.
Entre a cruz e a espada
No conflito entre São Paulo e Getúlio Vargas, o paulista João Fina ficou com Getúlio. Ele fazia notar que uma Assembleia Constituinte para elaboração da nova Carta já havia sido convocada. A seu ver, a política de Vargas era a melhor oportunidade para modernizar o país.
Devido a sua opção, João Fina foi perseguido em Rio Claro, cidade de forte concentração de fazendeiros mobilizados contra os getulistas. O jornalista se viu obrigado a deixar a cidade e o estado de São Paulo. Voltou vitorioso como alinhado ao governo que modernizou o país.
Ao longo dos anos, com ditadura e tudo, Vargas tornou-se símbolo de governante nacionalista, centralizador, popular e progressista.
Em 1950 Getúlio Vargas voltou ao poder como presidente eleito. Ganhou a eleição também em Rio Claro.
Mudança e poder
À medida que os ideais dos rio-clarenses Siqueira Campos e João Fina Sobrinho foram se tornando realidade, com o passar do tempo a memória de ambos foi se tornando esvaziada. O que corresponde à tendência do poder político em menosprezar conquistas revolucionárias depois de absorvê-las e delas se beneficiarem. Para, na sequência, nublar ideias que simbolizem mudanças que possam comprometer a política estabelecida. É o conservadorismo.
Em memória do tenente
O Congresso Nacional recusou-se a qualquer manifestação por época da morte de Siqueira Campos. Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e outros o fizeram mais tarde.
As homenagens ao jovem tenente só vieram a acontecer quando os militares revolucionários chegaram ao poder com Getúlio Vargas. Em Rio Claro a homenagem aconteceu com a denominação do Largo da Estação em 1930, depois da revolução. A instalação da herma do herói no Jardim Público é de 1964, quando a considerada revolução anticomunista ainda não havia ocorrido.
Em memória do advogado
As homenagens de Rio Claro ao advogado João Fina se deram décadas depois de sua ação revolucionária. A OAB local o tornou patrono da Casa do Advogado local. A prefeitura e a Câmara Municipal também deram seu nome ao Núcleo Administrativo Municipal (NAM), que reúne secretarias e departamentos da administração no antigo prédio da Elektro. Tempos democráticos valorizam personagens históricos.
Atualidade
Os ideais republicanos dos revolucionários dos anos 1920 vêm evoluindo de forma gradual. A República nacional ainda é uma construção incompleta e contaminada por privilégios estatais que acentuam as diferenças sociais. O poder da sociedade civil é frágil em relação à corrupção política. Aos poucos, distancia-se do que era nos anos 1920. Apesar da torcida contra. A corrupção tem sete almas.
Trem Blindado 4 foi construído em Rio Claro
O município de Rio Claro-SP não foi fronte de guerra na Revolução Paulista de 1932. A cidade desenvolveu função estratégia pela construção de um dos trens blindados utilizados em combate. Nas oficinas locais da Cia Paulista foi construído o Trem Blindado 4 (TB4).
O primeiro trem blindado foi construído em parceria da Escola Politécnica (USP), Instituto de Pesquisas Tecnológicas e Estrada de Ferro Sorocabana. Sua concepção partiu do engenheiro francês Clément de Baujaneau, que vivia em São Paulo. Conforme informa Thales Veiga.
O TB-1 era composto de uma locomotiva a vapor e um vagão, ambos blindados no interior do vagão. O trem foi utilizado em Buri.
O segundo trem blindado (TB2) foi construído logo na sequência. O TB1 voltou para oficina e transformado no TB3. Ambos foram utilizados na frente sul de batalha.
O sucesso dos veículos levou a Politécnica e o IPT a construírem em conjunto com os engenheiros das ferrovias Cia Mogiana e a Cia Paulista o TB4 em Rio Claro e o TB5 em Campinas. Ambas as fortalezas atenderam às linhas de combate na divisa com Minas Gerais.
O TB4 e o TB5 apresentavam melhorias em relação aos anteriores. As locomotivas eram menores, o que permitia melhores manobras. Os canhões eram instalados em torres giratórias. A pintura era camuflada.
Com a derrota paulista, o governo federal impôs que todo o armamento pesado dos paulistas fosse confiscado ou desmontado. Os trens blindados foram desmontados nas oficinas de origem. As locomotivas retornaram às condições de tráfego convencional.
Por J. R.Sant´Ana / Fotos: Divulgação