No fundo mesmo, quase ninguém acha que deve mudar. É coisa rara. E o nosso medo de passar a pensar diferente, mesmo diante das evidências, é velho conhecido da História.
Por isso, o maio de 1968 na França e a Primavera de Praga, com os tanques russos esmagando as flores, não vingaram.
Serviram apenas como uma espécie de escape para pressões da época. As barricadas montadas pelos operários em conjunto com os estudantes em Paris podem até ter mostrado como pode ser o poder do povo de transformar alguma coisa. Mas o tempo passou, e aqueles que queriam mudar o mundo acabaram transformados por ele.
A promessa vendida pela geração de 1968 era a de liberdade, num mundo mais “igual”, sem autoritarismo. Muitos compraram a ideia, e a transformaram em produto, muito útil hoje como slogan de comercial, ou post para o Instagram. Uma geração que sonhou com um mundo melhor, mas acabou vencida pela pressão dos mercados, e se tornou tradicionalmente conservadora. Uns até mais fanáticas no espectro à extrema-direita.
É triste ver que após os surtos das passeatas de 1968 na França e no mundo, de greves e guerrilhas, houve uma reação oposta e de maior intensidade, um peso maior da direita, e pipocaram slogans pregando a restauração da ordem que elegeria Nixon nos Estados Unidos e Charles de Gaulle na França.
Por aqui, no Brasil a ditadura militar atingia o seu auge com o AI-5, baixado em 13 de dezembro daquele ano.
Passou o tempo. Houve a redemocratização. Mas aquele ideal romântico de luta contra tudo que oprimia se dissolveu pela decepção, e vemos os agora senhores e senhoras, desiludidos “burgueses” que não abrem mão de seu conforto e certezas familiares. Muitos deles tornaram-se medrosos e covardes, escondidos atrás de seu fetiche pela hierarquia, pela ordem unida, e pelo desejo de eliminar aquilo que é diferente. Pode perceber, muitos dos mais radicais de direita, fanáticos, tem um passado também fanático, de esquerdista frustrado.
Se muitos acabaram mortos naquela época, outros estão mortos tecnicamente por essa desilusão. Ao que parece, não há mais espaço para romantismos contestadores.
Aquela geração de “lutas” virou em nada e hoje é boa parte da classe média pacata que vê passar à sua frente escândalos e mais escândalos, e se acovarda diante de uma perspectiva de mudança mais racional. Alguns até no limiar de sair da classe B para entrar na C, mas achando que deve apoiar um governo fascista como esse, mais em conteúdo do que na forma.
Me fazem lembrar da música do Cazuza: “pois aquele garoto que ia mudar o mundo/Agora assiste a tudo em cima do muro.”
Desde 1968, há mais de cinco décadas que a História parece ter entrado em uma repetição monótona, um loop infinito que se inicia de forma romântica, com um meio trágico e um final previsto.
Minha geração, nasci em 1974, herdou um tempo de ilusões perdidas.
Alguns dizem que 1968 foi o ano que nunca acabou. Puro marketing. 1968 foi o ano que nunca existiu e inventaram. Foi um ano em que se percebeu do que somos capazes, mas muitas vezes falta a coragem para abandonar as nossas certezas cotidianas e ir às ruas combater o mal que nos governa hoje, e os fantasmas de todos os males anteriores que nos governaram também.
Grandes cabeças daquela geração se perderam sob o horror da tortura, outras se transformaram por instinto de sobrevivência e covardia.
Enfim, tudo vira em nada, até mesmo as mais ingênuas utopias de liberdade.